PlataData | Novas políticas, velhas desigualdades

Mesmo após reformas nas políticas públicas, os EUA ainda prendem mais negros do que brancos por drogas
PLATADATA

PlataData Novembro/2024


Epidemiology of drug arrests in the United States:
Evidence from the national survey on drug use and health, 2015–2019

Saba Rouhani, Lingzi Luo, Himani Byregowda, Nicholas Weaver, Ju Nyeong Park


A revista americana Preventive Medicine publicou o estudo Epidemiologia das detenções por drogas nos Estados Unidos: Evidências da pesquisa nacional sobre uso de drogas e saúde, 2015–2019, realizado por um grupo de pesquisadores da School of Global Public Health, em agosto de 2024.

contradição entre a legalização americana liberal e os problemas estruturais dos sistemas de justiça e segurança pública, relacionados à raça, classe e etnia, é uma das reflexões provocadas por esse artigo.

Os EUA possuem a maior população encarcerada per capita do mundo. Em 1971, o presidente Nixon iniciou a guerra às drogas que resultou em investimento e expansão das forças de segurança sem precedentes. 

De lá para cá o número de prisões aumentou 5 vezes no país, enquanto não há registros de impacto dessa política na redução da oferta, no uso de drogas ou nos danos relacionados ao consumo.

Ocorre que essa reorientação afetou de maneira desproporcional populações negras e/ou de baixa renda e favoreceu penalidades criminais mais severas para grupos racializados, gerando disparidades, apesar dos níveis semelhantes de uso de drogas entre os grupos étnicos daquele país.

O estudo mostra que na última década, enquanto os EUA experienciaram uma redução significativa no número de crimes em 24%, no mesmo período, prisões por drogas permaneceram estáveis.

Foram analisadas mais de 200 mil respostas dos Levantamentos Nacionais de Uso de Drogas e Saúde, realizados entre 2015 e 2019. Nestas, a prevalência de uso de drogas no último ano permaneceu estável

Entre pessoas que fizeram uso de drogas ilícitas no último ano a prevalência de venda de drogas também permaneceu estável, no entanto, o fenômeno aumentou ao longo do tempo fora das áreas metropolitanas.

A prevalência de prisões por drogas foi significativamente mais alta entre os entrevistados negros. Outras características dos aprisionados com maior prevalência foram os jovens, entre 18 a 25 anos, pobres, desempregados, em transição de moradia, com diagnóstico de transtorno mental, que faz uso de múltiplas substâncias, com histórico de uso de drogas injetáveis, que fizeram o uso de drogas no ano anterior e que habitavam áreas não metropolitanas.

Prevalência de uso de drogas ilícitas  e venda simultânea de drogas entre os entrevistados de 2015 a 2019 por raça/etnia e ano (n = 214.505). A prevalência geral do uso de drogas ilícitas mostrada por raça; daqueles que usaram drogas, a prevalência que também relataram vender drogas é mostrada com a barra padronizada (estristrada).

Não há evidência de aumento de uso de drogas ilícitas entre negros. Também não tiveram evidências de aumento nos níveis de venda de drogas ou transtornos por uso de substâncias na população negra. 

O modelo de regressão logística multivariada ajustada sugere que o aumento das prisões de pessoas negras não é explicado por nenhum desses fatores. Assim, os autores apontam para desafios duradouros na obtenção de impactos em saúde, sobretudo na população negra, por meio de reformas parciais nas políticas proibicionistas.

Mesmo com algumas políticas de legalização, redução de danos e acolhimento de usuários em vários estados americanos, a estigmatização desses sujeitos no contato com o sistema de justiça e segurança continua impedindo resultados positivos das mudanças políticas para todas as populações que deveriam ser beneficiadas por elas.

No Brasil, não é diferente. A luta por uma nova política de drogas que se pretenda realmente efetiva em termos de desencarceramento em massa, saúde e segurança pública deve levar em consideração prioritariamente o racismo estrutural e os graves problemas de acesso aos direitos da população em situação de vulnerabilidade econômica.

renato filev

kya mesquita

maconhometro
Compartilhe
Rolar para cima