Hoje, compartilho uma notícia que não é apenas importante, mas verdadeiramente histórica para todos nós que sonhamos e lutamos pelos direitos humanos e por práticas de cuidado e prevenção aos usuários e usuárias de drogas. Acaba de ser aprovada a resolução conjunta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), um documento que institui oficialmente as diretrizes das práticas de Redução de Danos (RD) em nosso país.
Esta resolução, que emerge de um processo coletivo e diverso de discussões e acúmulos construídos na Comissão Permanente de Drogas e Saúde Mental do CNDH – um espaço coordenado pela Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) –, é o fruto da persistência, da prática e da visão de inúmeras entidades, movimentos sociais e organizações que compõem a luta antimanicomial e a luta antiproibicionista.
É a voz das ruas, das comunidades e dos especialistas ecoando nos corredores das instituições, pavimentando um caminho de respeito e dignidade. Diversos sonhos ganhando materialidade a partir dos espaços de controle e participação social.
Por que essa resolução é um marco?
Desde a década de 1990, com iniciativas como as do Programa Nacional de DST/Aids, a Redução de Danos já era reconhecida como uma estratégia vital no Ministério da Saúde, inclusive com portaria própria e presente nas práticas desenvolvidas nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). No entanto, o que vemos agora é um salto qualitativo. Esta resolução conjunta consolida a RD não apenas como uma abordagem de saúde pública, mas como um pilar essencial das políticas de direitos humanos no Brasil.
Conforme a Resolução Conjunta nº 01/ 2025, ela se destina a orientar as políticas públicas de redução de riscos e danos e promoção da saúde para pessoas que usam substâncias psicoativas em todo o território nacional, e o mais importante, está “direcionada às(os) agentes e instituições do Estado”, abrangendo não só a saúde, mas o judiciário e o legislativo. Isso significa que, de agora em diante, as ações de redução de danos têm um respaldo formal e robusto em diversas esferas do poder público. Passo decisivo para afirmar a RD como política de estado.
O documento é claro ao afirmar que a promoção dessas políticas deve se guiar pelos princípios dos direitos humanos, abolindo “tratamentos cruéis e degradantes, maus tratos, contenções físicas e químicas, perda de direitos civis, ou que estimulem a discriminação, o preconceito e o estigma” (Art. 2º, § 1º). Isso é um grito de liberdade contra modelos violadores, excludentes e manicomiais, propondo a “substituição gradual, mas completa, de todos os serviços e dispositivos de tratamento baseados no isolamento, internações prolongadas e anulação dos direitos civis” (Art. 2º, § 2º).
Protagonismo e reconhecimento: os redutores de danos em foco
Um dos pontos mais revolucionários desta resolução é o reconhecimento explícito da legitimidade e da essencialidade dos profissionais e ativistas da Redução de Danos. O Art. 11 é claro e objetivo: é necessário “garantir a segurança da autonomia e livre exercício profissional a trabalhadores(as) da redução de danos frente aos riscos de criminalização das ações de redução de danos”.
Isso inclui assegurar em lei a “proteção jurídico-legal” para que não sofram ações judiciais em razão do seu trabalho, promover campanhas para desconstruir o estigma de “apologia às drogas”, e garantir a inclusão, formação e capacitação desses profissionais. O reconhecimento institucional e a valorização de sua atuação em todas as políticas sociais são passos cruciais.
Para quem atua na ponta, como os “redutores de danos” que levam informação, segurança e dignidade a quem mais precisa, essa Resolução é uma blindagem e um reconhecimento merecido. É dois conselhos de Estado dizendo: “Vocês são fundamentais para a saúde e os direitos humanos no Brasil”.
Agora precisamos dar um passo a mais: consolidar a Política Nacional de Redução de Danos
Esta resolução, não é um ponto final, mas um passo decisivo. Ela nos entrega a base sólida, as diretrizes normativas para um avanço ainda maior: a construção e implementação de uma verdadeira Política Nacional de Redução de Danos.
Com ela, abrimos caminho para a tão necessária definição de estratégias de financiamento, o fomento a projetos e iniciativas inovadoras, e o reconhecimento formal das práticas desenvolvidas com tanto afinco por entidades, organizações, movimentos sociais e, claro, pelos indispensáveis nos territórios e comunidades, os redutores de danos.
Queremos ver a Redução de Danos plenamente integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS), ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e nas mais diversas políticas públicas intersetoriais que buscam a superação de barreiras de acesso a direitos, como a educação, trabalho e a segurança pública.
E, nesse cenário, um dos próximos grandes passos é o reconhecimento oficial do Redutor de Danos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Essa inclusão não é apenas um formalismo burocrático; é o selo de profissionalização e de valorização para um trabalho essencial que transforma vidas e protege a dignidade humana. É a garantia do Trabalho Decente para os redutores de danos.
A resolução conjunta do CNDH e do CNS é a prova de que a luta por direitos e por uma abordagem humanizada das políticas sobre drogas está avançando. Celebremos esta conquista e sigamos em frente, com a certeza de que estamos construindo um Novo Brasil mais justo, solidário e, acima de tudo, promotor dos Direitos Humanos.
Acesse a resolução conjunta CNDH/CNS 01/2025: https://www.gov.br/participamaisbrasil/resolucao-conjunta-cndh-cns-diretrizes-promocao-politicas-publicas-estrategicas-reducao-danos-pessoas-usuarias-substancias-psicoativas

