Segundo apurou a reportagem da BBC International, a Tailândia está prestes a dar um passo atrás em sua decisão histórica de legalizar a maconha. O novo governo propõe criminalizar novamente o uso recreativo da planta — medida que pode desmontar uma cadeia produtiva vibrante, que inclui desde pequenos agricultores até jovens empreendedores locais.
O argumento oficial gira em torno de “preocupações com a juventude” e supostos “abusos” do consumo. Nas entrelinhas do noticiário, há pressões externas e uma antiga lógica colonial que nunca deixou de operar. O que isso tem haver com esse retrocesso do país?
Jovens britânicos e malas cheias
Nos últimos meses, autoridades da Tailândia registraram um crescimento no número de jovens britânicos tentando levar maconha tailandesa para o Reino Unido. Atraídos pela qualidade, preço e legalidade local, esses turistas tentam transportar a erva em malas, caixas e até souvenirs. Só que, ao pisarem em solo britânico, a mesma planta se transforma, de remédio ou recreação, em “droga classe B” — com todo o peso da criminalização e da retórica moralista.
Isso gerou desconforto político. E, como sugere a BBC, o governo britânico passou a pressionar diplomaticamente a Tailândia a endurecer suas políticas.
Mas por que um país deveria mudar suas leis por causa dos delitos de outro? E mais: por que o Reino Unido não cuida da sua própria regulamentação ao invés de exportar suas crises? E aqui entra o paradoxo colonial: se o Reino Unido legalizasse a cannabis em seu próprio território, com regulamentação própria, esses jovens não precisariam traficar. Mas ao invés disso, prefere-se manter o controle proibicionista, enquanto pressiona outros países a dobrar a espinha.
A Tailândia rompeu, com a legalização da maconha, com um legado proibicionista herdado de políticas coloniais. Criou um modelo independente, descentralizado e economicamente potente — um gesto de soberania. A lógica é a mesma: impedir que o Sul Global desenvolva seus próprios modelos, suas próprias economias, sua própria autonomia.
A criminalização volta a entrar em cena como forma de controle. E a liberdade, mais uma vez, vira privilégio e não direito.

Outro espelho da mesma história
E esse tipo de interferência externa não é novidade. O Brasil, por exemplo, sente a pressão em outro nível, com os EUA tentando impor barreiras econômicas em nome de “proteção de mercado” enquanto praticam o mesmo tipo de domínio sobre agendas políticas e comerciais.
O nome disso? Novo colonialismo. Feito de tarifas, sanções, moralismo e diplomacia autoritária. O atual embate tarifário com os EUA é só mais um capítulo da história antiga: um país tenta crescer por conta própria, o outro tenta lembrar quem ainda manda no jogo. A lógica é global.
Antes de apontar o dedo, talvez seja hora de olhar para casa
O Reino Unido ainda classifica a maconha como droga Classe B. Sua política antidrogas é marcada por encarceramento em massa, racismo estrutural e incoerência científica. A hipocrisia é gritante: enquanto não legaliza a planta em casa, age como se tivesse autoridade moral para criticar os outros.
Não seria mais sensato o Reino Unido resolver sua própria política interna? Criar seu próprio mercado, com sua própria regulamentação, sem precisar exportar sua insegurança jurídica e seu moralismo disfarçado de diplomacia?
A Tailândia não ameaça ninguém ao legalizar a cannabis. O que incomoda, no fundo, é a liberdade. E liberdade, sempre assusta os impérios.

