A 2ª Conferência Temática de Economia Solidária, Saúde Mental e Cooperativismo Social, realizada em 24 de maio de 2025, representou um marco fundamental na discussão e no fortalecimento de iniciativas que interligam a saúde mental, a política de drogas, a economia solidária e o cooperativismo social no Brasil. A primeira Conferência ocorreu há mais de 15 anos.
A partir da convocação, “Marco Legal, Redes Solidárias e Horizontes de Cidadania”, a Conferência Temática teve como eixo estruturante aprofundar o debate sobre a interseção desses temas, propor diretrizes para políticas públicas e fortalecer a articulação do campo para a 4ª Conferência Nacional de Economia Popular e Solidária (CONAES).
Para a Coluna no Cannabis Monitor busco sintetizar os principais pontos abordados, as propostas emergentes e os desafios persistentes para a efetivação de um cooperativismo social no cenário brasileiro.
A Conferência: contexto e metodologia
A Conferência, realizada em formato online, reuniu centenas de participantes de todas as regiões do país, de Norte a Sul, tivemos representantes do poder público, de entidades de apoio e fomento, e movimentos e entidades do campo Antimanicomial e Antiproibicionismo. A expressiva participação feminina (71%) reafirmou o protagonismo das mulheres na Economia Solidária.
A metodologia adotada para a elaboração das propostas construída durante meses, garantiu a participação ativa e qualificada dos envolvidos. Os participantes foram distribuídos em Grupos de Trabalho (GTs) com base em suas preferências temáticas, facilitando o diálogo e a construção coletiva.
Cada GT contou com a figura de um facilitador, um coordenador e um relator, que guiaram as discussões por meio de rodadas sucessivas de exposição de ideias, perguntas disparadoras e seleção de propostas por votação ou consenso. Esse processo assegurou que as reflexões avançassem para uma agenda concreta da necessidade de retomada do Programa Nacional de Apoio e Fomento ao Associativismo e Cooperativismo Social (PRONACOOP SOCIAL).
Principais propostas por eixo de discussão
As propostas aprovadas na conferência foram divididas em três Grupos de Trabalho, visando fortalecer os empreendimentos econômicos solidários com protagonismo de pessoas usuárias da saúde mental e da política de drogas em múltiplas frentes:
GT1: Cooperativismo social: Marco legal e regulamentação
Este grupo focou na necessidade de um arcabouço legal e regulatório que dê suporte e segurança jurídica e sustentabilidade social e econômica às iniciativas de cooperativismo social.
As principais propostas incluíram:
• Regulamentação da Lei Paul Singer: Inclusão de um capítulo específico sobre cooperativismo social, com a instituição do Programa Nacional de Apoio e Fomento ao Cooperativismo e Associativismo Social (PRONACOOP Social) e do Programa Bolsa Trabalho, garantindo financiamento interministerial.
• Manutenção de Benefícios: Garantia da manutenção dos benefícios sociais e direitos previdenciários para os cooperados, evitando que a formalização em cooperativas resulte na perda desses direitos.
• Protagonismo dos Usuários: Assegurar que a maioria da gestão das cooperativas sociais seja composta pelo público do cooperativismo social (50%+1), promovendo o protagonismo e o controle social efetivo.
• Financiamento Permanente: Estabelecimento de recursos anuais e permanentes para o fomento às cooperativas sociais e ao Eixo 7 da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), superando a dependência de editais esporádicos.
• Comitê Interministerial: Criação de um Comitê Interministerial de Usuários e Familiares da RAPS, garantindo a participação efetiva das pessoas usuárias na criação e implementação de políticas públicas, e a inclusão do Cooperativismo Social na composição do Conselho Nacional de Economia Solidária.
GT2: Redes de comercialização e outras redes solidárias
Este eixo abordou a importância de estratégias para a comercialização dos produtos e serviços gerados pelos empreendimentos solidários, bem como a construção de redes de apoio, assessoria técnica e fomento.
As propostas destacaram:
• Fortalecer a Comercialização: Implementação de cotas para empreendimentos econômicos solidários e de saúde mental em feiras regulares, de turismo e outros setores, respeitando suas dinâmicas de trabalho e comercialização.
• Centros de Distribuição Compartilhados: Criação ou adaptação de centros de distribuição intersetoriais (cozinhas comunitárias, armazéns, pontos fixos de venda e coleta) sob gestão compartilhada, em locais de fácil acesso e escoamento comercial.
• Política Nacional de Moedas Sociais: Desenvolvimento de uma Política Nacional de Moedas Sociais e Bancos Comunitários vinculada à Lei Paul Singer, estimulando a criação e uso de moedas sociais e bancos comunitários com crédito orientado para os empreendimentos.
• Fundos Descentralizados: Estabelecimento de fundos com recursos descentralizados para apoiar iniciativas locais de comercialização e redes de economia solidária, por meio de parcerias com bancos públicos, cooperativas de crédito e fundos rotativos solidários.
• Marketplaces Públicos: Criação de plataformas de marketplaces públicos, vinculados a um Fundo Nacional, de uso gratuito para empreendimentos econômicos solidários e de saúde mental, visando fortalecer o escoamento da produção e a capacitação digital dos empreendedores.
GT3: Estratégias de Educação/Formação e iniciativas de protagonismo das pessoas usuárias da RAPS e familiares
Este grupo se dedicou à formação, capacitação e ao empoderamento das pessoas usuárias da RAPS e seus familiares, promovendo seu protagonismo.
As propostas enfatizaram:
• Bolsa de Formação para o Trabalho: Criação de uma “bolsa de formação para o trabalho” para garantir processos de formação e capacitação profissional.
• Programas de Letramento: Desenvolvimento de programas de letramento para os usuários, fomentando processos formativos e capacitações.
• Profissionalização Técnica: Incentivo à profissionalização técnica em economia solidária e geração de renda para pessoas trabalhadoras, usuárias e familiares da RAPS.
• Comitê Interministerial de Usuários: Reforço da proposta de constituição de um Comitê Interministerial de Usuários e Familiares da RAPS, para que o princípio “Nada de Nós Sem Nós” seja uma realidade na construção de políticas públicas.
Desafios para a efetivação do cooperativismo social na perspectiva da economia solidária no Brasil
A II Conferência Temática evidenciou que, apesar dos avanços e da retomada de políticas públicas alinhadas à Reforma Psiquiátrica, o caminho para a plena efetivação do cooperativismo social na perspectiva da economia solidária no Brasil ainda é permeado por desafios significativos.
A “contrarreforma psiquiátrica” ainda avança em diversas frentes, com leis de internação compulsória e involuntária, e um esvaziamento do controle, da participação social e de políticas públicas promotoras de direitos humanos o que impacta diretamente a autonomia e a inclusão de pessoas usuárias da saúde mental.
Para a II. Conferencia Temática os principais desafios que se apresentam são:
• Financiamento Permanente e Desburocratização: A dependência de editais esporádicos e a falta de recursos anuais e permanentes para o fomento dos empreendimentos solidários e do Eixo 7 da RAPS são entraves cruciais. É imperativo garantir um financiamento estável e desburocratizado, com pactuação fundo a fundo, para assegurar a continuidade e a expansão das iniciativas.
• Marco Legal e Regulatório Efetivo: A ausência de regulamentação da Lei do Cooperativismo Social de 1999 e a necessidade de garantir a manutenção dos benefícios sociais e previdenciários dos cooperados são pontos críticos. Um marco legal claro e protetivo é essencial para dar segurança jurídica e incentivar a formalização e o crescimento das cooperativas sociais.
• Protagonismo e Controle Social: Embora o princípio “Nada de Nós Sem Nós” seja uma bandeira, a efetiva participação e o controle social das pessoas usuárias na criação e implementação de políticas públicas ainda precisam ser fortalecidos. A criação de comitês interministeriais e a garantia de representatividade nos conselhos são passos importantes, mas exigem vigilância e engajamento contínuos.
• Redes de Comercialização e Infraestrutura: A dificuldade de escoamento da produção e a falta de infraestrutura adequada para comercialização são gargalos. A criação de marketplaces públicos, centros de distribuição compartilhados e a implementação de cotas em feiras são propostas que visam superar essas barreiras, mas demandam investimento e articulação entre diferentes esferas de governo e a sociedade civil.
• Formação e Capacitação Contínuas: A necessidade de programas de letramento, profissionalização técnica e a instituição de uma “bolsa trabalho” demonstram que a formação e a capacitação são pilares para o desenvolvimento do cooperativismo social. Garantir o acesso a essas oportunidades é fundamental para a autonomia e a inserção produtiva dos cooperados.
A II Conferência Temática, mostrando a potência dos encontros entre a saúde mental, a política de drogas e o cooperativismo social reforçou a potência da economia solidária como ferramenta de inclusão social e geração de vida, especialmente para pessoas usuárias da saúde mental. Para isso, a superação dos desafios exige um compromisso contínuo com a desinstitucionalização, a garantia de direitos, o financiamento adequado e a promoção do protagonismo dos envolvidos. Somente assim o cooperativismo social poderá florescer plenamente, contribuindo para uma sociedade a construção de um Modelo de Desenvolvimento Nacional Sustentável e Solidário para nosso país.
Acesse o relatório da 2ª Conferência Temática de Economia Solidária, Saúde Mental e Cooperativismo Social aqui.

