No dia do Meio Ambiente, o podcast Maconhômetro Ciência lança um novo episódio com a proposta de explorar as complexas conexões entre as políticas de drogas, o uso da terra e a justiça climática no Brasil. Com a participação de Rebeca Lerer, jornalista e coordenadora latino-americana da Coalizão Internacional sobre Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental, e Renato Filev, neurocientista e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), o episódio mergulha na recém lançada edição especial da Revista Platô, intitulada “Intersecção: Uso da Terra, Política de Drogas e Justiça Climática”.
A Revista PLATÔ: Drogas e Políticas é uma iniciativa da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, lançada em 2017, sendo a primeira publicação brasileira a tratar exclusivamente sobre política de drogas, mobilizando artigos críticos, pesquisas e análises científicas em linguagem acessível e conectada às questões mais candentes dos diversos aspectos relacionados às políticas de drogas no Brasil e no mundo. Tem como objetivo a qualificação do debate público sobre drogas, a garantia da pluralidade de ideias, da promoção do conhecimento e do rigor metodológico e a construção de uma política de drogas solidária, justa e eficaz.
A edição especial Intersecção é resultado de uma colaboração entre a PBPD, a Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas e a Coalizão Internacional sobre Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental, e reúne 17 textos inéditos que oferecem uma análise multifacetada sobre como a guerra às drogas impacta crimes ambientais e a busca por justiça territorial e climática no país. Como destaca o apresentador, Marcos Verissimo, a edição é o reflexo de um movimento coletivo que aponta soluções integradas como a estratégia para enfrentar duas crises conectadas que comprometem a governança territorial do Brasil: a emergência climática e a violência decorrente da guerra às drogas.
Desvendando a intersecção
O conceito central da revista, “intersecção”, busca romper com a análise fragmentada desses temas. Rebeca Lerer explica a motivação:
“Essa revista é resultado de um processo que a gente vem fazendo há mais de um ano de conversa com vários grupos da sociedade civil brasileira e também internacionais… para justamente identificar essas sobreposições entre as políticas de drogas, de uso da terra, e medidas de contenção da crise climática aqui no Brasil.” Ela ressalta a importância de olhar para a cadeia produtiva das drogas, frequentemente invisibilizada: “Pensando que as principais drogas que foram criminalizadas são produzidas ou são plantas e, portanto, usam a terra… a gente quis olhar para uma parte desse debate que geralmente passa batido… que é justamente essa cadeia produtiva e econômica que não começa nos pontos de venda… Começa a milhares de quilômetros de distância daqui, nos cultivos de coca na região da Amazônia Andina… e também nas grandes latifúndios de maconha concentrados especialmente no norte do Paraguai.”
Renato Filev complementa, afirmando que a intersecção “traz essa provocação de que as coisas são integradas, assim como os biomas são integrados, as políticas e as práticas criminosas e o dinheiro, ele está circulando e integrando todas essas atividades.” A revista, segundo ele, busca “juntar dois campos de lutas históricos no Brasil”, o ambiental e o da política de drogas.
Vozes diversas, territórios respeitados
A seleção dos 17 textos priorizou a diversidade de vozes e perspectivas, refletindo um processo cuidadoso de escuta e articulação com movimentos sociais e pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. Rebeca Lerer detalha o processo: “A gente procurou, em todo o projeto… fazer de uma forma que os territórios se sintam respeitados, representados, sem nenhum tipo de artificialização desses lugares… demos total autonomia e liberdade para os autores e autoras convidadas… respeitar a linguagem que cada pessoa trouxe… e não ficar amarrado por um padrão acadêmico ou editorial em nome de uma cultura também um pouco elitista.”
O critério principal, segundo ela, foi a diversidade geográfica, demográfica, racial, de gênero e de perspectivas também, de pessoas que estão lidando com essa intersecção no seu território, mas de lugares de falas diversas.
A guerra às drogas como motor de crimes ambientais
Um dos pontos mais contundentes do debate é a demonstração de como a política proibicionista de drogas alimenta e se entrelaça com crimes ambientais. “A proibição alimenta redes criminosas ligadas ao narcotráfico, grilagem, desmatamento e garimpo ilegal, especialmente na Amazônia, dificultando ações de proteção ambiental e justiça social”, contextualiza Veríssimo.
Rebeca Lerer aprofunda essa análise: “A gente tem que entender que a guerra às drogas é um motor econômico que financia grupos armados, que financia a compra de armas, que financia a corrupção de agentes públicos, que financia campanhas eleitorais e que está totalmente ligada a outras economias ilegais, como o garimpo, o desmatamento, a grilagem, o roubo de madeira…”
Ela também conecta o descontrole territorial com a expansão dessas atividades: “Quanto mais descontrole territorial você tem… A gente falava da boiada nas leis ambientais, mas na prática foi você abrir terras para todo tipo de ocupação, invasão, mineração, infraestrutura. Então, essa crise na governança ligada aos efeitos da proibição… agravaram a situação de violência e violação de direitos humanos, não só na Amazônia brasileira, mas também no Cerrado, no Pantanal, na Mata Atlântica…”.
Renato Filev adiciona a questão do petróleo à equação, apontando como a exploração de combustíveis fósseis, especialmente em áreas sensíveis como a Amazônia, cria infraestrutura que beneficia o crime organizado e fortalece narrativas negacionistas da crise climática, muitas vezes impulsionadas pela extrema-direita. “Quando a gente está discutindo exploração do petróleo na margem equatorial da Amazônia… a gente vê o quanto uma coisa retroalimenta a outra… por conta não só do petróleo em si, mas de todas essas atividades criminosas que vão vir a reboque, que vão usar essa infraestrutura na floresta para fortalecer o crime organizado.”
Rebeca Lerer reforça essa conexão: “Toda frente predatória, ultracapitalista de exploração, a economia da droga vem a reboque.”

Rumo à COP 30: um debate urgente
Diante da aproximação da COP 30, a Conferência da ONU para o Clima, que ocorrerá em Belém do Pará, em novembro de 2025, e que trará visibilidade global à região, a revista PLATÔ, propõe debates atuais sobre o tema e propõe alternativas para romper com os ciclos de violência, racismo e degradação ambiental vigentes no Brasil.
“A gente está às vésperas da COP 30… e a gente precisa pautar esse debate… A gente não pode falar de justiça climática sem falar de política de drogas”, afirma Rebeca. Renato Filev ecoa essa urgência: “Acho que o assunto esse ano vai reverberar, é importante a gente unir sociedade civil, ativismo, movimento social, instâncias governamentais, porque só assim a gente vai conseguir enxergar novas realidades”.
Redução de danos ecológica: um novo paradigma
Para além do diagnóstico, a revista e o debate no podcast apontam para caminhos e conceitos inovadores, como a “redução de danos ecológica”. Rebeca Lerer explica: “O conceito que a gente está jogando para o mundo… É a redução de danos ecológica… que é essa mistura dos aprendizados que a gente tem de recomposição de vida… que a gente trabalha com pessoas que usam drogas… e extrapolar isso para nossa vida nos territórios… pensando numa gama mais ampla de direitos e de políticas afirmativas que possam mitigar os danos tanto da proibição quanto da crise climática.”
A expectativa, segundo os organizadores, é que a revista provoque reflexão e ação. “Acho que talvez acenda a centelha do incômodo… É um assunto indigesto… A gente precisa sair com esse incômodo… porque é o incômodo que faz a gente se movimentar”, reflete Renato Filev.
Chamado à ação
A revista Platô “Intersecção” está sendo distribuída de forma direcionada, com lançamentos presenciais planejados em Brasília, Belém, Salvador e Rio de Janeiro, além de um evento já realizado em São Paulo. Cópias impressas estarão disponíveis nesses eventos e o conteúdo também será divulgado online, com traduções para espanhol e inglês, buscando um alcance internacional.
Os organizadores incentivam a participação em espaços de mobilização social, como as Marchas da Maconha, e o engajamento no debate sobre a COP 30. “Levem as discussões para as marchas da maconha… mas também vai ter a COP30 em Belém”, convoca Renato Filev.
Rebeca Lerer finaliza com uma mensagem de esperança e resistência: “Acho que o fato de a gente ter projetos como esse mostram que existe muita inteligência coletiva no Brasil, muita coragem, e a gente tem que continuar insistindo e reclamando e se fazendo ouvir… Rompendo esse ciclo de dominação que o proibicionismo colocou a galera.”
O episódio completo do Maconhômetro Ciência e a edição digital da revista Platô “Intersecção” estão disponíveis abaixo, oferecendo um material rico para quem busca compreender as complexas e urgentes conexões entre política de drogas, justiça ambiental e climática no Brasil.
O Podcast Maconhômetro Ciênia é um projeto do Cannabis Monitor em parceria com o Núcleo de Pesquisas sobre Psicoativos e Cultura (PsicoCult), que é um grupo de pesquisa vinculado ao Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (INCT-InEAC). Você pode conhecer mais sobre ele, suas ações, projetos de pesquisa e pesquisadores em psicocult.uff.br ou no perfil do Instagram @psicocultuff.
O ep. Ciência #33 | Revista Platô – Uso da terra, política de drogas e justiça climática, com Rebeca Lerer e Renato Filev contou com produção, roteiro e edição de Gustavo Maia (CM), e apresentação de Marcos Veríssimo (PsicoCult).