Quem tem medo do cultivo doméstico de Cannabis?

Desde 2019, o debate sobre a regulação da cannabis, principalmente do seu plantio, ferve em Brasília
plantação de maconha

Dizem que são coisas estanques, uso medicinal e política de drogas, mas na verdade é apenas uma visão tacanha da realidade que não permite compreender que de nada adianta a cannabis regulada como medicamento enquanto estamos vivendo uma guerra.

Ao mesmo tempo, foi criada na Câmara de Deputados uma comissão especial para tratar do tema a partir do PL399/2015. Estive em uma das audiências públicas defendendo a regulação do cultivo doméstico e associativo, quando fui informado que por conta de acordos políticos o cultivo doméstico não seria aprovado e por isso não constava no PL. Confesso que aquela informação me deixou intrigado.

Quando as mães de crianças com graves epilepsias descobriram que o extrato de cannabis servia para tratar as convulsões de seus filhos foram os cultivadores domésticos que passaram seus saberes empoderando essas mulheres.

Esse encontro entre os pacientes (ou suas mães) e os cultivadores amplificou a prática do cultivo doméstico no Brasil culminando com o reconhecimento em mais de uma centena de decisões em Habeas Corpus que não é crime o cultivo de cannabis em prol da saúde.

A justificativa dos parlamentares é que o cultivo doméstico “não passa” sem que tenha ocorrido um debate público sobre o tema. Forças conservadoras são citadas contudo sem exposição de nomes para que possa ocorrer uma tentativa do movimento social mudar essa posição.

Também afirmam que o cultivo “não passa” porque não há como fiscalizar o que as pessoas fazem em casa, preferindo deixar pessoas doentes sujeitas a serem confundidas com criminosos ao cultivar cannabis para tratar doenças. Como não acredito no lobby de fiscais fazendo pressão, me parece uma justificativa infundada usando um fetiche de cabresto para barrar algo tão importante.

Emilio e Cidinha audiência cultivo maconha
Emilio Figueiredo ao lado de Cidinha Carvalho em audiência pública no Congresso Nacional. | Foto: Agência Senado

São muitos interesses em jogo com a regulação da Cannabis no Brasil e isso está fazendo um grupo importante, como os dos cultivadores, ser excluído do debate. E o questionamento que fica é quem tem medo do cultivo doméstico de cannabis?

Certamente não são os pacientes que querem também a opção do cultivo doméstico para acessar o tratamento, assim como pelo cultivo associativo, ou prateleiras com produtos industrializados e, ainda, pela amplitude do SUS, sem falar da facilidade das farmácias vivas.

Isso que ainda há a recusa de tratar o mal maior que atinge a saúde de todos no Brasil que é a violência gerada pela política de drogas baseada na proibição usada como justificativa para o genocídio da juventude preta e pobre no Brasil.

Dizem que são coisas estanques, uso medicinal e política de drogas, mas na verdade é apenas uma visão tacanha da realidade que não permite compreender que de nada adianta a cannabis regulada como medicamento enquanto estamos vivendo uma guerra.

Não consigo dormir tranquilo, pensando naquela frase de Otto von Bismarck (“os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”), sabendo que uma lei esta sendo feita assim desconsiderando um movimento importante e uma prática que efetivamente salva vidas.

Ao mesmo tempo, acordo todo dia cheio de ânimo vendo pessoas tendo uma vida com menos sofrimento através do cultivo doméstico da cannabis e seguindo na luta pelo seu reconhecimento como uma forma do direito fundamental à saúde.

emilio figueiredo

maconhometro
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